3 de setembro de 2010

Avantares


Hoje e amanhã vou Avantar .
Oito anos depois regresso à Atalaia.
Eu e a minha irmã João, companheiras de vida, de festas, de gargalhadas, viagens e prantos, vamos abandonar as nossas cómodas vidas burguesas, deixar os SUV da moda nas respectivas garagens e partir de transportes públicos [verdadeira aventura épica] para aquele mundo diferente, qual Pandora, onde os senhores doutores e os “vocês” ficam à porta e todos se tratam solidariamente por tu e por camarada, com a simplicidade e companheirismo dos Na´vi.

Este anos deu-nos para isto, talvez seja a nostalgia dos 40, a demanda do elixir da eterna juventude que nos recusamos a perder, o programa cultural que se anuncia, a vontade de nos estendermos na relva sozinhas a beber vodka com laranja e a sentir o cheirinho das ganzas dos vizinhos do lado, sem pensar na vida, na família, nos filhos, nos processos em cima das secretárias, abandonando por horas este sermos as senhoras respeitáveis [?] em que nos transformámos. Nestes dois dias queremos avatar no Avante.

Não nos podemos esquecer que na nossa adolescência esta era “a Festa”, um dos raros festivais de Verão perto de Lisboa, e o único sítio para ouvir sons de outros mundos. Na Festa vi nascer e acabar os Trovante. Na década de 80, ouvi os maiores da música brasileira (inesquecíveis os concertos de Gilberto Gil, Caetano, Alceu Valença), também na Festa vi acabar os Salada de Fruta [quem se lembra deles?] e ouvi poesia dita por Mário Viegas.

Na Festa vivi das maiores experiência da minha adolescência [que me escuso de contar porque a minha mãe pode vir espreitar este post], mas sim, meteram álcool, sexo e mais uns produtinhos ilegais. Era uma semana inteirinha de liberdade, acampados antes, durante e depois da Festa a conhecer gente de todo o país e de “todo” o mundo, ou melhor, do mundo ainda comunista. A Festa marcou, como uma tatuagem que não mais sai da pele, a minha adolescência e início da idade adulta como espaço de liberdade e iniciação. Abençoada Festa.

E se na adolescência o meu coração era vermelho, [como diz a canção da Fafá] confesso que desde há alguns anos alaranjou, e muito, pois passou a acreditar num modelo social-democrata de organização social sustentada na livre iniciativa caracterizadora de uma economia aberta de mercado, própria das sociedades contemporâneas [hoje sou uma burguesinha alfacinha, sempre na moda, carregada de berloques e pulseiras, com empregada doméstica a tratar da casa e com o seu filhote a frequentar dos melhores colégios católicos da cidade, quem diria?].

Mas a festa é muito mais que a cor do coração, a festa é um espaço e um tempo diferente, fora da realidade, talvez seja mais um planeta gasoso que órbita no sistema Alpha Centauri, onde vou procurar aportar mais uma vez…

Só espero que a minha alma, ainda permaneça tão simples, iluminada e permeável á diferença, que não me permita desiludir…

E, meu gajo, não fiques preocupado, vou tentar não voltar para casa, a desoras, a cantar a “Internacional”.

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