Estou aqui a ouvir os discursos na AR, à espera da mudança, e não me consigo concentrar nas palavras destes homens (e parcas mulheres). Escorrem-me pelos ouvidos os chavões, as novas expressões, mil vezes, ditas pelos sucessivos membros do Governo que passaram pelo hemiciclo. Ribombam as locuções “coligação negativa” e as “eleições que os portugueses não querem” repetidas por todos, numa ladainha ensaida de velha beata. E a minha imaginação voa para as reuniões em que estes discursos foram escritos. Entre o fumo dos cigarros (porque as leis são só para os gajos cumprirem), vejo os dedos febris dos assessores que avidamente tomam notas nos seus PCs, enquanto fazem contas à vida e aos ordenados que vão deixar de receber mais os telefonemas que ainda vão ter de fazer para ver se se encaixam em qualquer lado. Oiço as gargalhadas quando festejam mais uma jogada conseguida ou uma rasteira passada. Vejo-os encostados nas cadeiras a falar da estupidez dos gajos (que somos nós) e que agora é que vão ver aqueles cães malditos (somos nós, outra vez) porque são capazes de dar maioria aos sacanas dos gajos (agora referem-se ao PSD e ao PP) a pensar que nos (lhes) lixam a vida ( os palermas dos gajos, que somos nós outra vez) . Aliviam-se as costas, levantam-se os ombros, incham o peito, atenuam-se as rugas, quando enumeram racionalmente as vantagens de se livrarem, neste momento, do poder num país que já não é governado por eles, mas pela EU, onde eles (também) se sentem acossados. No fundo, não perdem muito, aliás não perdem mesmo nada. As empresas, as universidades, os bancos, as carreiras internacionais estarão à sua espera, (sempre assim foi e sempre assim será) porque está na hora de capitalizar os favores e com sorte este Verão finalmente têm férias a sério. Parvalhões (pensam eles de nós). Parvalhões, penso eu deles.
Nota 1: a linguagem deste post foi moderada e foram retirados todos os palavrões escritos inicialmente. Quem ouviu ou leu as transcrições das escutas Vara/Sousa sabe do que é que estou a falar. Também não utilizei o "pá" pela sua irritante banalidade.
Nota 2: tenho a convicção que o imaginado para esta reunião específica é facilmente transferível, mais boçalidade, menos boçalidade, para qualquer um dos outros grupos parlamentares. Para aquela classe elitista (dos que chegam perto do poder) nós seremos sempre, e só, os gajos de que se servem para os entronizar no poder.
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