15 de março de 2011

Os dias de ...


O marketing para os dias especiais disto e daquilo é tramado. Quem não reúne as condições, fica perfeitamente descontextualizado senão mesmo à beira do suicídio, face ao bombardeamento dos produtos que nos remetem para a norma, para o cliente-alvo padrão.

Não ter família, à mão, no Natal é fatal, não ter um(a) namorado(a) a 14 de Fevereiro é dramático, não ter mãe no primeiro domingo de Maio é uma tristeza e não ter pai a 19 de Março é uma valente chatice. E isso, eu sei bem como é: desde que me lembro de ser gente que não tenho pai.

Em pequena, quando na escola todas as crianças faziam, com maior ou menor entusiasmo, o presente para o seu paizinho, eu limitava-me a fazer qualquer coisa mal enjorcada, para depois deitar para o lixo, sem nunca ninguém ter visto a obra. Depois de alguns anos de explicações ou omissões, e face à comiseração colectiva do “coitadinha, filha de pais divorciados” seguida de um complacente encolher de ombros e abanar de cabeça do interlocutor adulto, resolvi, já no inicio da adolescência, cortar o mal pela raiz e dizer que o dito tinha morrido para me deixarem de chatear com aquelas mariquices [perante a morte as pessoas tendem a ter mais respeito, ficam inibidas e o “coitadinha” é mais contido, emocionalmente diferente, já não era a criança voluntariamente abandonada, mas aquela a quem a morte tinha precocemente roubado o pai].
Não é que eu não tivesse a quem dar, tinha, tinha e tenho, um padrasto espectacular, mas não era meu pai, e não há o dia do padrasto.
E eu, nestas coisas sou "pão, pão, queijo, queijo": não me venham cá dizer que um companheiro é um marido, que os enteados são filhos, que as sogras também são mães, ou que os padrastos ou as madrastas são pais. Não são, são exactamente aquilo que são: companheiros, enteados, sogras, madrastas e padrastos. Bons ou maus, cada um tem o seu papel e o seu lugar, e a vida é bem mais simples se ninguém quiser usurpar o lugar de ninguém.

Assim, porque nunca tive pai, não faço a mínima ideia do que é ter um. E sem esta experiência o 19 de Março é apenas o dia que me lembra que há um sentimento que não sei sentir, uma relação que não vivi e uma série de emoções que nunca experimentei.

Por isso, caros senhores do marketing não me chateiem com a treta do dia do pai, não me invadam com sms, mails, correspondência a anunciar promoções que versam o tema pois não estou minimamente interessada, não sou uma cliente-alvo!
Não tenho ninguém a quem ligar, não tenho presentes para dar, nem refeições a pagar.

Irra, que estou cansada de apagar mensagens a oferecer coisas de que não preciso, nem nunca vou precisar!

3 comentários:

Brisa disse...

O grande inconveniente destas datas especiais que se vão criando é justamente pôr em destaque quem não as pode viver em pleno. E com a imposição exagerada do marketing e da publicidade e do consumismo, ainda pior.
Eu tenho pai e não sei exactamente o que tu sentes. O meu foi muito ausente (emigrante deste que nasci), só o via duas vezes por ano. Mas existia e às vezes via-o, e sempre tinha a quem entregar o tal presentinho que se fazia na escola. O que não sei o que é e adorava saber é ter avós. Como faleceram ainda eu era muito pequena, as lembranças são muito curtas. E tenho tanta pena, porque os avós têm cabelos brancos, falam-nos com doçura e fazem-nos bolos ou levam a passear ao parque...

leitanita disse...

Os dias de... qualquer coisa... mesmo quando tens essa qualquer coisa, são uma seca do pior!

Xanuca B disse...

Aprovado por unanimidade! CLAP; CLAP; CLAP!