28 de fevereiro de 2007

Coincidências e Ambições Literárias

O MARIDO IDEAL

Em 1990 acabei o curso e fui trabalhar para uma IPSS onde partilhava a sala com mais 5 colegas. Uma delas, a Ana Paula, tinha tudo o que se poderia desejar: roupa da última moda, jóias, vivia na zona de Alcântara, numa casa requintadamente decorada que nos era descrita em pormenor, e tinha um marido, o Filipe!

O Filipe levava-a ao emprego, o Filipe ligava-lhe três a quatro vezes por dia, o Filipe tratava das compras, o Filipe tinha mota, o Filipe tinha uma profissão cheia de glamour, o Filipe tinha, o Filipe fazia... Até o nome, suava quente, doce, romântico, quase aristocrático - Filipe.

E eu, a morar na periferia, cheia de dificuldades financeiras, com uma vida banal e desinteressante, quantas vezes não sonhei com o Filipe, nas longas viagens de autocarro que fazia a caminho de Lisboa, nas noites de sexta e sábado a ver televisão, no meu universo de tédio, o Filipe transformou-se no marido ideal.

Inebriada por este marido perfeito que a Ana Paula trouxe para a minha vida, nunca equacionei a questão: eu nunca tinha visto o Filipe. Entretanto, a Ana Paula não viu o seu contrato de trabalho renovado e a história da sua vida perfeita com o seu marido ideal, devagarinho foi deixando o meu imaginário.

Passaram-se seis anos, divorciei-me, mudei de casa, mudei de emprego, conheci novos amigos e numa noite acabei a caminho de uma festa de aniversário de uma amiga de uma amiga onde estaria um recém divorciado, que a aniversariante gostaria de consolar... Eu, a viver à data um secreto romance, pouca importância dei à informação disponibilizada no carro antes da festa. Quando cheguei conheci o Luís, o marido abandonado, giro, sorriso fácil, afável. No final da noite, porque referi que ia a um congresso a Paris, trocamos números de telefone, porque ele queria que lhe trouxesse uns discos de vinil.

Dias depois, o Luís ligou, convidou-me para jantar para me poder dar mais indicações sobre os discos. No jantar, revelou-se um homem interessante, inteligente e culto, ainda que reservado. Dias depois, novo jantar, para lhe entregar os discos, mais conversas, maior proximidade e uma saída pela noite dentro. Nos dois meses seguintes, foram-se sucedendo jantares e encontros, até que um dia o Luís me convidou para ir a sua casa.

Nunca poderei esquecer aquela noite. Quando entrei, na sua bem decorada mansarda de Alcântara senti conhecer aquele cenário de algum lugar, ainda que não o conseguisse precisar, mas durante o serão o Luís começou a falar do seu trabalho. Perturbada, por memórias e perdida em reflexões, no esforço de recompor uma história, saí da sala. Lembro-me, que no corredor parei frente a um espelho, casualmente olhei para a correspondência que estava sobre a mesa e vi que era endereçada a um Luís Filipe! De repente tudo parecia encaixar... Voltei à sala e de chofre perguntei:”Olha lá a tua ex-mulher não se chama Ana Paula?” Ele surpreso, respondeu que sim, e eu em seguida voltei a perguntar: ”Então tu és o Filipe?” ele, com expressão de espanto respondeu que sim, que a sua família próxima lhe chamava Filipe e que a ex-mulher também tinha esse hábito. Comecei a rir, a rir até não poder mais e por entre gargalhadas contei-lhe a minha história, a nossa história.

Fiquei com ele nessa noite e em todas as outras dos últimos dez anos (com excepção das que passei na maternidade quando nasceu o nosso filho), até hoje mantenho o marido ideal, só que o meu é mais comum que o da Ana Paula, pois é apenas o meu marido e contínua a chamar-se Luís.

APB
Lisboa

História de vida, lida em antena pelo Miguel Guilherme, às 17h20, 21h40 ou 01h20, na Antena 1, da RDP, em 12 de Abril de 2006.

História Publicada em “Histórias Devidas”, 2006, Produções Fictícias, Asa Editores e autores.

Aqui "posto" esta história de um programa de rádio que me acompanha diariamente no regresso a casa. Gostei dela, da coincidência e do final.... sobretudo, gostei de a ter vivido!

10 comentários:

Anónimo disse...

parece-me bem que a história não é de uma desconhecida! eu conheço bem os personagens...

Ana C. disse...

Estou baralhada, mas és tu a protagonista deste romance de cinema????
Se sim fiquei ciderada, conseguiste tirar-me os pés do chão. Eu sabia que a realidade transcendia em muito a ficção, mas esta história é UMA HISTÓRIA DE AMOR.
Muito obrigada por teres respondido ao desafio ;)

Xanuca B disse...

Pois é Ana C., a vida é cheia de estranhas coincidências, e esta é mesmo a minha história deste meu amor com o Luís, o meu marido "normal".

Precis Almana disse...

Ê pá,incrível mesmo! Eu quero uma história assim!!!

Anónimo disse...

e quem tem coragem que nao existe tal coisa como o destino!?

a minha alma esta, como quem diz, parva...!!!

Joanissima disse...

Extraordinária historia!!! : )

Xanuca B disse...

Precis, HannaH, Joanissima obrigada pelas visitas... e por acreditarem no amor... quantas mais formos melhor será o mundo!

:)

Xanuca B disse...

Precis, HannaH, Joanissima obrigada pelas visitas... e por acreditarem no amor... quantas mais formos melhor será o mundo!

:)

Rainha disse...

As voltas que a vida dá acabam e que acabam por nos levar para o sítio certo!
Linda!

R disse...

Meu Deus, mas esta história de amor para além de ser linda,é quase impossível de acontecer. Será que é a tal coisa a que chamam destino? Acredita que fiquei a meditar no que vos aconteceu. A vida faz-nos coisas! Gostei muito da vossa história,acho que poderia ser um excelente guião para um filme de amor. Desejo que continuem sempre assim, unidos e felizes. Beijinhos e BOA PÁSCOA.